Lembro de certa vez ir ao estádio para assistir um Grenal. Era o primeira vez que meu irmão assistia um clássico no Beira-Rio. Para quem gosta de futebol, esse jogo é especial por "n" fatores que aqui não cabem citar. O fato é que o estádio estava com um bom público, cerca de 30 mil pessoas. Sempre gostei de ficar próximo as torcidas organizadas (tanto é que posteriormente me filei na Camisa 12), por causa da emoção e da festa. Mas nesse jogo em específico, como estava com meu irmão pequeno, resolvi me afastar do "tumulto" e assisti ao jogo do outro lado do estádio, próximo ao espaço dedicado a torcida gremista. O ocorrido nesse jogo que interessa para esse texto aconteceu no momento que Internacional, time que eu torço, tomou um gol. Por alguns instantes, todos o colorados naquele estádio vivenciaram a mesma perplexidade, por alguns instantes todos os colorados naquele estádio sentiram exatamente a mesma espécie de angustia por ter sofrido um gol . Mas no instante seguinte, acredito que somente eu e meu irmão compartilhamos algo em comum. Momentos após o gol, cerca de três mil pessoas vestidas de azul entoam, de forma sincronizada, "Olha a festa macaco/ Torcida é coração...". A impressão que eu tive foi de todo o estádio realmente olhar a festa tricolor. Ainda processando todo o ocorrido, meu irmão me interrompe e questiona: "Porque eu sou macaco?"
Não vou falar aqui dos processos de
subjetivação que uma criança negra passa no Brasil, mas enquanto ouvirmos
"chora macaco imundo" e "Olha a festa macaco" entoado pela
torcida gremista, o racismo estará sendo perpetuado, mesmo que de maneira
simbólica. Há varias versões sobre a origem do "apelido" macaco...
Mas a materialidade do ato sobrepõe qualquer "origem" ou
"intenção". Pouco importa qual a “intenção” de um gremista ao
reproduzir essa palavra. O fato consumado é apenas um, ao reproduzir a palavra
“macaco”, dentro desse contexto, está se reproduzindo o racismo. Querer
dissociar a palavra "macaco" do racismo é como querer dissociar a
suástica do nazismo. Embora alguém possa usar o argumento de que hoje tem um
outro significado(a palavra macaco), é possível usar o mesmo argumento em
relação a suástica, que tem origem na cultura Hindu e significa vitória...
Todavia, hoje é impossível não associar a suástica ao nazismo, assim como não
associar “macaco” ao racismo. O signo social que essa palavra tem é mais forte
do que qualquer intenção!
Recentemente tivemos um caso com o atleta Paulo Cesar Tinga, ao entrar no segundo tempo do jogo válido pela libertadores da américa, sofreu racismo por parte dos torcedores do Real Garcilaso. A cada toque na bola que o atleta dava, os torcedores emitiam um som uníssono imitando um macaco. Achei curiosa a reação da sociedade em geral com relação ao fato ocorrido com o Tinga. Varias manifestações de apoio ao jogador se proliferaram na internet, inclusive a presidente Dilma com a hastag "FechadoComOTinga". Imagino que esse suposto apoio e o "combate ao racismo" seja efeito de uma grande comoção com o ocorrido. Mas me pergunto, por que esse apoio não acontece constantemente? Por que somente com casos tão explícitos a sociedade surge em peso condenando tais atitudes... Por que o racismo dos outros é mais condenável que o racismo brasileiro? O que está levando aos sujeitos do esporte a estarem fazendo mais denúncias de racismo no futebol brasileiro?
O caso ocorrido com o jogador Tinga
precedeu outros dois ocorridos importantes sobre a questão. O primeiro com o
árbitro Marcio Chagas, que foi escalado para um jogo no interior do Rio Grande
do Sul, onde fora insultado dentro de campo e posteriormente seu carro estava
com marcas de chutes e com cascas de banana sobre o capô. Já o segundo caso
ocorreu com o jogador Arouca, do Santos. Enquanto dava uma entrevista para uma
radio de São Paulo, um grupo de torcedores do time adversário começou a
chamá-lo de macaco, isso ao vivo. Essa sequência de fatos reacendeu a discussão
a cerca do racismo no futebol dentro do país, digo isso porque no mundo
futebolístico, principalmente aos clubes europeus, situações racistas e
xenofóbicas são comuns dentro dos estádios, como as denúncias as torcidas da
Polônia e Ucrânia por terem agredidos torcedores asiáticos e saudações
nazistas.
Muito se fala em punição como a
grande solução para os casos de racismo. Mas acredito que estão envolvidas
certas especificidades nos casos citados. Fica evidente que o racismo está
presente tanto nos cânticos da torcida gremista quanto nos ocorridos com o
Tinga, Marcio Chagas e Arouca. Vejo na torcida gremista uma manifestação coletiva
e recorrente, mas não necessariamente consciente de racismo. Não vejo como
positivo a torcida gremista deixando de cantar "chora macaco imundo"
por medo de uma punição, mas o ideal seria que compreendessem como o racismo
está sendo reproduzido nesse cântico. É um trabalho muito mais complexo e que
exige um grande esforço coletivo, e talvez essa possibilidade seja utópica.
Aqui falo de um processo que chega a ser um chavão quando se discute questões
sociais: Educação. Apenas punindo a torcida gremista, não estaremos fazendo
esforço para solucionar (obvio que o futebol não solucionará sozinho nenhuma
questão social, todavia esse argumento não o exime de qualquer
responsabilidade) essa questão, estaremos simplesmente transferindo ela para
outras esferas.
Confesso que tenho fortes questões no que diz respeito à punição. Não são raros os exemplos de como apenas punir é insuficiente para sanar problemas sociais. Todavia, é necessário reconhecer um certo limite do futebol em adotar medidas pedagógicas. (ou um limite meu em não enxergar outra possibilidade),. Nos casos do Tinga, Marcio Chagas e Arouca fica muito difícil pensar em outra perspectiva que não a punição para uma resposta imediata e efetiva aos ataques racistas. Os clubes devem sim responder por seus torcedores. No futebol, dentro do estádio, o torcedor é uma extensão do clube e vice-versa. Nesse processo, o clube acaba sendo convocado e pensar e agir junto aos seus torcedores numa perspectiva de evitar que novas expressões de racismo ocorram.
Confesso que tenho fortes questões no que diz respeito à punição. Não são raros os exemplos de como apenas punir é insuficiente para sanar problemas sociais. Todavia, é necessário reconhecer um certo limite do futebol em adotar medidas pedagógicas. (ou um limite meu em não enxergar outra possibilidade),. Nos casos do Tinga, Marcio Chagas e Arouca fica muito difícil pensar em outra perspectiva que não a punição para uma resposta imediata e efetiva aos ataques racistas. Os clubes devem sim responder por seus torcedores. No futebol, dentro do estádio, o torcedor é uma extensão do clube e vice-versa. Nesse processo, o clube acaba sendo convocado e pensar e agir junto aos seus torcedores numa perspectiva de evitar que novas expressões de racismo ocorram.
Existe outro mérito importante que
deve ser citado nessa discussão: a especificidade. É comum, ao debatermos a
questão do racismo no futebol, questões de uma ordem diferente surgir. Quando
um torcedor do Internacional fala sobre a questão dos cânticos gremistas, por
exemplo, surge quase como uma autodefesa a questão da homofobia: "Eu falo
macaco, e tu que fala veado". Em nenhum momento é negado as expressões
homofóbicas presentes no futebol. Quando é abordada a questão do racismo, não
está em disputa qual torcida leva o titulo de mais ou menos preconceituosa.
Talvez a questão da homofobia seja ainda mais complexa, está ainda mais
enraizado na cultura futebolística. A manifestação explícita de homofobia ainda
é socialmente muito aceita. A homofobia e o racismo, embora igualmente
inaceitáveis, tem especificidades que merecem diferentes enfoques. Trazer a
tona ambas questões para o mesmo debate provoca efeitos muito menos potentes do
que aborda-los em diferentes momentos.
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